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quarta-feira, 10 de agosto de 2016

De si, consigo

Estendeu a mão às escuras, buscando do lado direito da cama, dentro do primeiro compartimento do pequena gaveteiro embaixo da mesa de estudos, o objeto tão conhecido, longo, rosa chiclete - convenientemente - que funcionava a baterias AA.
O ritual antes de dormir a exauria o suficiente, era reconfortante poder dar prazer a si mesmo, como um passo da rotina dos cuidados pessoais diários, tal como usar o exfoliante - leve, para uso diário em peles sensíveis - em movimentos estritamente circulares: lateral do nariz, testa, entre as sobrancelhas, queixo e bochechas.
Aliás, defendia ferrenhamente a prática, como um ato saudável e libertador, tal como suco verde pela manhã, 10 mil passos diários e implementação de ciclofaixas em perímetro urbano.
Conhecia minuciosamente o que lhe aprouveria melhor, a vestimenta adequada ou sua ausência, o relevo do terreno,  e o tempo - esse que ousaria ser o elemento mais importante : a consistência e intervalo dos movimentos e pressões a realizar para que lhe esticassem os pés, trouxesse o rubor ao rosto a as gotículas de suor se acumulassem na raiz dos cabelos irremediavelmente embaraçados e marcados pelo solta-e-prende intermitente das variações de temperatura diárias.
Mas havia algo ali, e, veja bem, não ago A MAIS como um novo pensamento, emoção ou tédio pela repetição que eventualmente a fariam descobrir novas "técnicas"...

Havia... um
                                                                  N   A   D  A

         Um nada bem grande, quase palpável, uma barreira física intransponível entre ela, e seu corpo.


Com o abajou rosa aceso às pressas segundos antes de se sentir estúpida - parada na cama com as pernas ginecologicamente dispostas para o auto-exame - em busca de alguma prova física daquele bloqueio, aquela barreira de dormência amortecimento inexpressão que lhe tinha negado seu único domínio

de si

Quando fora aquela desconexão de si consigo?
Quando foi o exato momento que passara a precisar daquela segurança de planos e gato derrubando as plantas de um jardim que parecia bastante sólido em sua imaginação fértil?

Parecia....

Era como se tivesse aberto mão de seu domínio sobre si para abrir espaço para quele braço pesado sob o qual transpirava em noites de calor, o mesmo que a impedia de pular sobressaltada na cama de seus pesadelos.

E era como se houvesse, portanto, áreas; quinhões; domínios; ou quotas daquele corpo tão sua propriedade - agora nem tanto - que não quisesse reclamar.
E por mais que houvesse aspectos inúmeros de si que recordava saudosamente, não havia qualquer vestígio de "núcleo" autêntico de si que pudesse restaurar uma vez removidas as influências externas.

Influências externas que tinham nome e rosto e voz e cheiro, e já eram todo seu eu, e mesmo que apenas anexas fossem, nenhuma experiência précia era relevante ou nobre ou sequer agradável o suficiente para que a encorajassem a tal mutilação de partes que lhe eram tão queridas agora.

Deste modo, retornar à antiga forma por completo era pior do que os fragmentos de si que tinha, de si, consigo.

E obter a satisfação completa daquele objeto inanimado e plástico pelos mesmos caminhos antes circulados circulares pela língua úmida, ainda que forasteira, ainda que desritmada, ainda que interrompida pela respiração... ou lhe faziam falta os dedos fincados na lateral externa de suas coxas trêmulas...
             ...mas talvez fosse só... aquele ângulo da curvatura das sobrancelhas escuras, aquela linha que descia numa curva suave até o limite externo do côncavo das pálpebras dos olhos cerrados... rumo à base dos cílios longos... às vezes apertados na contração facial facial de esforço que admirava enquanto se curvava.. buscando alcançar com as mãos os cabelos revoltos gotejando suor na testa.
Mas, dessa vez, não estariam mais ao seu alcance, tornando aquilo mais uma parte do domínio de si cujo domínio não podia exercer sozinha..

Sob pena de regredir ao renunciar àquela nova forma de autogoverno, compartilhando a si mesma, decidiu abandonar aquele território, pois havia partes de sim consigo, que melhor do que se reclamadas como suas, estariam como terra de ninguém.